26/05/2015 by Fernando Mesquita
Anos atrás, me propus a aprender uma nova habilidade por mês, o que me daria 12 novas habilidades por ano.
Lutei judô, toquei piano, aprendi idiomas e, em um caso que me chamou bastante atenção, aprendi taquigrafia. Mas o mais importante foi o que tudo isso me ensinou e o que isso pode te ensinar sobre aprender.
São muitos insights bacanas. Acompanhe-me até o final.
A taquigrafia, de que vamos tratar aqui, foi a parte mais interessante de um longo projeto de aprendizado, porque dentre todas é uma que uso até hoje (talvez a única). Ela permite a prática independente de recursos especiais – você só precisa de lápis/caneta e papel.
Para tocar piano, você precisa de um piano, para lutar judô você precisa de um doido faixa preta paciente e para praticar o idioma você precisa de amigos gringos ou de viagens, e nenhum deles é amplamente disponível.
Taquigrafia, para quem não conhece, é uma técnica de escrita rápida. Há vários métodos (compostos por símbolos e taquigramas, como se fosse um idioma próprio) que lhe permitem escrever mais rápido. Como é uma escrita fonética, cada desenho, composto por fonemas, pode ter vários significados, portanto o resultado final da tradução do texto pode não ser exatamente igual ao que foi dito, embora na maioria dos casos seja virtualmente idêntico.
“Obrigado por ler e todo o sucesso do mundo. Fernando Mesquita”
Procurando recursos para uma atividade tão rara, encontrei o site do professor Waldir Cury, taquígrafo aposentado da Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro (ALERJ). Ele montou um portal que, embora careça de um visual mais sofisticado, cobre a função principal: ensinar aos alunos gratuitamente essa técnica quase esquecida.
Eu taquigrafando quase no final do período de experiência. Mérito do professor Waldir, meu guru online nessa jornada.
O curso dele é bastante interessante, e segue uma lógica que só depois de algumas intensas horas de estudos pude entender.
Se dividíssemos em nível de dificuldade (sendo 1 mais fácil e 10 absolutamente impossível) cada lição dos módulos de seu curso, ele poderia ser assim representado:
M1: 1,1,1,1,1,2,3,1,1,1,1
M2: 1,1,1,2,2,3,3,1,1,1,1
M3: 1,1,2,2,3,3,3,3,1,1,1
M4: 1,1,2,3,3,3,4,3,2,2,1
M5: 1,2,3,4,5,5,4,4,3,2,1
Depois de alguns módulos, você tem uma surpresa: um teste de resistência, em que a velocidade (Que é o parâmetro que temos) era reduzida (digamos que você estava praticando a 60ppm – palavras por minuto – e passava para 40ppm), mas a duração estendida (em geral, fazemos ditados de até 5 minutos, mas um desses poderia ter de 10 a 15 minutos de duração).
Seria algo mais ou menos assim:
Teste de resistência: 2,2,2,2,2,2,2,2,2,2,2,2,2,2,2,2,2,2,2,2,2,2,2,2,2,2,2,2,2,2
Por uma questão de restrição de tempo, propus-me a completar o curso em 30 dias (o que consegui), mas o interessante não foi o que aconteceu durante. Foi o que aconteceu depois.
Cury defende que a velocidade de um taquígrafo não está na mão (como se pode pensar à primeira vista), mas na cabeça.
Quanto mais rápido você consegue ouvir o que foi dito e “traduzir” aquilo em linguagem taquigráfica, mais rápida será sua escrita.
E conforme o curso vai se passando, você tem a chance de constatar isso por si só.
Imagine um exemplo: você faz um ditado e encontra várias palavras difíceis. Cada vez que você para para pensar em uma palavra, o ditado continua correndo, e você se esquece de algumas palavras que foram ditas.
Muitas vezes, essas palavras que são perdidas não comprometem a compreensão da mensagem (embora sejam importantes em termos da pontuação que você obtém).
Antes e depois de cada ditado, o professor sugere que treinemos as palavras mais complicadas, exatamente a fim de fazer o cérebro se acostumar com a tradução e (menos importante) a mão se acostumar com a escrita.
Depois de algumas tentativas, para tentar “ganhar tempo” (o barato que sai caro), comecei a ignorar a prática prévia das palavras. Adivinhe o que aconteceu?
Claro, os ditados ficaram muito mais difíceis, e eu acabei tendo de gastar muito mais tempo refazendo ditados e praticando aquilo que não havia praticado – só que com uma dose extra de frustração.
A uma certa altura do treinamento, você começa a aprender os taquigramas, que são símbolos que podem representar palavras ou mesmo frases completas, e que aceleram (muito) a escrita taquigráfica.
O professor defende (com aquela certeza que só a experiência traz) que quanto mais taquigramas você souber, maior será sua velocidade.
E ele estava certo. Mas qual era o problema para mim?
O manual de taquigramas que ele oferecia tinha 40 a 50 páginas com 30 taquigramas em cada uma. O que, um uma rápida matemática, me daria cerca de 1200 a 1500 símbolos. E eu só tinha um mês para aprender.
O que eu fiz?
Procurei, nos discursos proferidos na Câmara dos Deputados e no Senado Federal quais as palavras que mais apareciam, quais tinham a escrita mais complexa (que poderia ser simplificada pelo taquigrama) e passei a me concentrar nesse núcleo de 500 a 600 que eram realmente “importantes” naquela proposta inicial que eu mantinha.
E consegui, com razoável segurança, aprender 200 ou 300 (alguns dos quais lembro e uso até hoje).
Essa é a jornada até quando resolvi parar de praticar deliberadamente (nos termos de K. Anders Ericsson – se você ainda acredita em talento e lê em inglês, sugiro o artigo completo. Mind blowing). Mas o que aconteceu depois?
Eu continuei escrevendo com taquigrafia. No trabalho, em casa. Mandei cartas para a Gabi (minha esposa – algumas das quais ela nunca leu e não faz nem ideia do que escrevi :D). Escrevi projetos com o uso de taquigrafia e volta e meia transcrevo a letra de uma música usando o método.
E o que é possível perceber hoje?
Quando mais o tempo passa, mais fácil fica.
Isso não é daquelas bobagens que a gente ouve por aí de que o tempo “cura todas as feridas” ou “é a resposta para tudo”. É um approach bem mais científico da cousa.
Aprender rápido é importante, mas aprender devagar, além de mais fácil, é mais prazeroso.
Hoje, eu me lembro com muito mais tranquilidade do que aprendi e consigo praticar muito melhor tudo que aprendi. Isso se dá por duas razões:
- Se você aprende naquilo que chamo de “ambiente de baixa pressão“, em que não há exigências imediatas de aprendizado e resultados, você tem a chance de relacionar o que está aprendendo com novos conteúdos (o que, essencialmente, define o aprendizado) e pode praticar com mais dedicação, reforçando sempre a base e avaliando seu processo continuamente;
- Quando você se permite “saborear” o aprendizado, seu cérebro recebe aquelas informações com muito mais tranquilidade, e está mais receptivo às novas informações.
Anos depois, os taquigramas que pratiquei estão fixados (não os 600, mas os que mais utilizei, aqueles do núcleo de 200 a 300 mais praticados), sinais que eram difíceis estão mais fáceis de escrever e mesmo a velocidade se manteve.
Isso é mágica? Não.
Não foi simplesmente o tempo que propiciou essa mudança, mas meu constante engajamento com o conteúdo em ambientes de baixa pressão.
Eu pensava em taquigrafia. Escrevia assim sempre que tinha a possibilidade. Praticava. Mesmo que não estivesse fazendo ditados diariamente (única prática que propicia o aumento de velocidade), estava engajado. E por isso o conhecimento foi se assentando.
É importante perceber que a pressão é, sim, interessante para te dar objetividade no aprendizado. Vejo muita gente que quer aprender conteúdos e práticas nos estudos e em concursos públicos e não se impõe cotas, limites, prazos.
Por um lado, pode parecer que isso (querer aprender melhor e mais rápido) tira o prazer imediato do aprendizado, mas se aprendemos por uma finalidade (e não simplesmente por aprender), na maioria dos casos você precisa de uma abordagem mais técnica e estruturada para obter resultados eficientes.
Você precisa se desafiar, porque o desafio é necessário para o aprendizado (a razão por que alguém com 20 anos em um determinado trabalho não necessariamente é melhor do que alguém que entrou 6 meses atrás. Você pode ter 1 ano de experiências repetidos 20 vezes).
Mas pode também simular um ambiente de baixa pressão em um contexto de alta pressão. Como?
- Aceite que o aprendizado vai demorar um pouco (veja o artigo do Estudo Bambu);
- Procure formas de relacionar o conteúdo aprendido com o mundo real – uma das melhores formas de aprender é relacionar aquilo com o mundo real, ou mesmo com histórias criadas. Se você quer aprender sobre formas de provimento da lei 8112, converse com colegas que foram nomeados, escreva parágrafos e redações sobre o tema e leia artigos sobre casos diversos;
- Faça pausas – tanto nas suas sessões de estudos quanto semanais. O cérebro não aprende trabalhando. Aprende descansando. Se você acha que estudar 4 horas direto é melhor porque as pausas te atrasam, repense sua estratégia (o artigo sobre o gráfico mais importante do mundo fala sobre a questão dos intervalos e outras “regras” do cérebro). Você precisa descansar para aprender mais, melhor e por mais tempo. Um estudo 7 dias por semana é insustentável no longo prazo.
- Reflita sobre o aprendizado – não adianta só estudar, estudar, estudar. O que vejo ao longo dos dias são milhares de pessoas envolvidas em práticas que não funcionam, simplesmente por não se perguntarem, de tempos em tempos “será que existe uma forma mais fácil de fazer isso?”. É uma pergunta que precisamos nos lembrar de nos fazer. Mas é fundamental para sua eficiência.
Essas são estratégias de grande valor para a aplicação no mundo real. E trago ainda alguns insights dessa “Experiência taquigráfica”:
- A velocidade está na sua cabeça – se você consegue entender a lógica e “traduzir” a resposta mais rápido, tão mais rápido será seu estudo e seu aprendizado – e suas respostas em questões de concursos. A velocidade não depende só da velocidade com que você lê ou quantas páginas você vence em um dia. Como eu disse no livro Ciclo EARA, a prova não se importa com quantas páginas de resumo você leu, importa-se com o quanto aprendeu. E por isso que o estudo com método é mais demorado que o estudo sem técnica, mas muito mais eficaz;
- Você precisa desafiar seus limites – se praticar ativamente é desconfortável, também é a única forma de aumentar sua velocidade, sua qualidade e sua eficiência. Se você tem uma taxa de acertos de 60%, vai precisar se esforçar para chegar aos 70% – e muito. E quanto mais perto do topo está, mais esforço é necessário. Desafiar seus limites envolve fazer uma avaliação extremamente desconfortável das suas fraquezas (aquelas que preferimos ignorar) em prol da aprovação. Se você não evolui há 6 meses é porque parou de se importar com isso.
- Você precisa praticar o que é difícil para você – enquanto você acreditar que pode estudar ao acaso, estará em maus lençóis. Você sempre vai precisar estudar mais aquilo que é mais difícil para você. É a única forma de encontrar e superar gargalos de aprendizado.
- Você não precisa de 100% do conteúdo para entender perfeitamente a mensagem – isso acontece muito com livros e aulas. O aluno acredita que precisa saber cada vírgula e cada piada para se sair bem na prova, mas é impressionantes o resultado que a escolha dos 30% corretos do conteúdo faz.
- Se você segue o processo, fica muito mais fácil aprender mais rápido, mesmo que inicialmente o trabalho pareça mais lento – ignorar etapas importantes (não revisar, não resolver questões quando se estuda, p.ex.:) pode parecer uma tática brilhante quando você quer ganhar alguns minutos, mas sempre cobra seu preço em horas.
- Se você quer aprender mais rápido, precisa entender, procurar e avaliar o que é mais importante ou mais frequente – poucas coisas são tão frustrantes quanto aluno que procura pelo em ovo. Sabe aquela questão que aparece uma vez a cada 10 anos, super difícil, de um autor desconhecido, mas que o aluno cisma que “se tivesse acertado essa” tinha passado (mesmo tendo errado outras 15 muito mais fáceis)? Então. Não são as questões difíceis que eliminam os candidatos. São as fáceis. As difíceis todo mundo erra. As fáceis, o bom candidato não pode errar.
- Um novo comportamento de estudos é necessário. Se você quer aprender com mais tranquilidade, precisa abrir seu coração aos novos conteúdos. Chegar de peito aberto, não achar que a disciplina é chata. Aprenda com curiosidade (conforme falei no 3º mandamento dos estudos). Ambientes de baixa pressão parecem melhores aos estudos, mas é possível simulá-lo mesmo em um contexto de alta pressão (como a preparação para concursos).
Parece possível? Certamente é.
Grande abraço e bons estudos,
Fernando Mesquita
Nota: se você quiser se enveredar nesse mundo, sugiro o site Taquigrafia em Foco. Professor Waldir é de uma atenção poucas vezes vista na internet e atende seus alunos com muita presteza e atenção. Trocamos algumas mensagens e devo meu aprendizado a ele.
Nota2: O livro sobre o Ciclo EARA foi elaborado exatamente sob essa filosofia: simular um ambiente de alta pressão em um contexto de baixa pressão. Ou seja, você pode aprender bem se seguir um processo simples que te leva à absorção de todos os tópicos mais importantes dos estudos.
Atualização: Carlos Ruas, autor do portal Um Sábado Qualquer, criou uma tirinha que expressa bem a essência dos conceitos trabalhados aqui.